9 de dezembro de 2007


Fantoche


Há dias em que me sufoco

Descubro-me encoberto em panos

Fantoche


O corpo escondido

Por detrás de cenários

Aparece erguendo os braços ao céu

Em frases feitas

Em queixas rarefeitas


Não tenho expressão facial

Não tenho suores

Nem cansaço

Apenas movimentos desconexos

De caminhos transversos


A loucura

Está ao cargo de quem o pega

Do fantoche

Apenas um sorriso sossegado

30 de novembro de 2007


Olhar de Inverno


Tudo transparece o Inverno

O fogo acorrentado da lareira

Que me sufoca o olhar


As árvores curvadas

Em vénias de sobrevivência

As folhas acumuladas à beira da estrada

Amarelas de enfermas


As pessoas que passam

Vejo-as suspensas por fios

Marionetas sem cor


Passei por tudo isto

E não vi nada

O meu olhar estava turvado das chuvas

De Inverno


Tentei fixar as montras

Enquanto passava

Mas olhava-as distorcidas

Vazias

Da minha ausência profunda


Estava tão triste que não podia estar ali

Fechei os olhos

Só queria o preto da noite

Confundindo aqueles rostos

E a estrada me levasse de volta

Ao meu castelo interior

19 de novembro de 2007


Fidelidade


Um dia sonhei

Mas em traços de luz e de noite

Em sombras

Confundi o sonho com a realidade

Quem é a minha fidelidade?


Era eu talvez um guerrilheiro

Em lutas de sobrevivência

Olhando armas, em vez de barcos

Percorrendo pântanos, em vez de florestas

E em tudo ardia o desejo de matar

Para não morrer

Questionei se a defesa será fidelidade


Era eu talvez um vagabundo

Sem ter por quem olhar

Desfeito em ferro velho

Sem cor nem brilho

E a fidelidade terá cores?


Era eu talvez rei

As pessoas não podiam sonhar

Porque o sonho era ter tudo

E a fidelidade era só minha


Sonho a vida

Um dia guerrilheiro, outro vagabundo, em momentos rei

Sem ser nenhum

E um dia anseio ser fiel à vida

12 de novembro de 2007


Abandonado ao sonho


Não percebo como aconteceu

Mas um pedaço de mim deu lugar a esta dor

Talvez saudades


Já não sei estar onde estou

Não quero pertencer a quem pertenço

Tudo parece gasto

O sorriso, a noite e o vento

Já não têm cor

São feitos decor


É um rosto perdido entre tantos outros

Que parecem iguais ao chegar

São mãos que acenam por ninguém olhar por elas

São braços que se estendem em confidências

De um abandono

De uma mãe fingindo-se morta

Quem só aprendeu a resistir


O meu sonho não tem contornos

Tem histórias, paisagens e rostos

De cor escura

É um olhar de dentro para fora

Vive comigo o sonho

Mas não é meu


É cheio de simplicidade e beleza

E risco

Pela terra sem nome, virgem

Onde os pássaros não conheço

E a chuva é intensa

Onde as palavras são de agradecimento

Pelos momentos de esperança

4 de novembro de 2007


Tu existes


Inteligência em fragilidade

De querer o visível, o justificável

E não apreciar esta liberdade

De recriar em amor, de ser apenas fé

Sem palavras, sem corpo, sem tempo nem espaço


Apelidamo-nos de mentalmente sãos

Se pudermos seguir pelo visível,

Pelo que tem cheiro

Por formas e cores


Esquecemos o essencial

A mistura de todas as cores

Numa só, invisível

Inventada por quem a quiser ver


O essencial tem ausência de formas

De limites, da consciência de cada um

É ausência de mim

Porque um dia deixarei de ser eu

Para ser parte de um todo

Adimensional, sem gestos

Longe e perto de tudo

Grande e pequeno

O fim e o início


Porque Tu existes

E és a cor

29 de outubro de 2007


Estranha claridade

Não sei se gosto, se desejo

Esta noite caminho sozinho

Pela noite clara, transparente

Em busca de outras preocupações

Luta pela sobrevivência

Sem inocência, talvez pureza


Arde em mim a vontade

De apagar histórias

De abandonar projectos

Tudo o que vejo

Tudo o que foi sussurrado

Ensaiado

E partir sem saber onde estou

Onde vivi, lugares onde cruzei

Luares e olhares


Fugir

Sem palavras

Despojado de formas

Sem vento nem medos

O que em mim não existe

O fim de tudo

Conhecido

26 de outubro de 2007


Embarcar

Passo pela noite

O mundo do meu silêncio

As asas do meu andar


As vozes que entoam entre capas

São choros tão altos

Dos rostos escuros

Que teimam em me inventar


Ninguém os ouve

Nem com o olhar


Um dia em terra seca

Escondidos de quem passa na estrada

Entre danças de uma ‘tabanca’

Deus deu-me a graça de os escutar


Os rostos brancos visíveis

Não sei se não os quero

Vejo-os de passagem

Como um vento sem assobio

E um barco parado na margem


Numa noite escura

Pode ser que a barcaça se faça ao mar

E dos rostos brancos

Memória apenas de embarcar

14 de outubro de 2007


Terra a terra

Imagino-me ali deitado

Pequeno, estupefacto

Olhando a noite

Por cima da neblina

O branco no preto

As estrelas desenham um caminho

Vejo-o como ninguém

Tem rectas e curvas e refúgios em círculo

Suavemente estico o braço

Ajeito aquela estrela alheada

Arquitecto eloquente o trilho perfeito

Mas amanhã quando o dia amanhecer

O caminho é apenas o Sol

E o meu rumo é seguir

Terra a terra, sem mais

12 de outubro de 2007


Rosto de chuva

Se um dia caminharmos encharcados em chuva

Em palavras desencontradas

Confidencia ao sonho

O lugar onde nos podemos encontrar

O meu sonho tem o teu rosto

E a sintonia há-de voltar