14 de novembro de 2012


És talvez um lápis embriagado
Que se desenha a si próprio
Ou uma borracha insaciável
Que se apaga em imperfeição

Tens um rosto
Que não se reconcilia com o corpo
E mãos que se rasgam como folhas de papel
Tens ombros presos por cordas
E braços que se desfiam num furacão

Mas os teus pensamentos
Desnudam-se como o vento da serra
E em cada sentido
Devolves o mar

E assim, és em mim o nevoeiro insaciável
Da solidão que temo encontrar
E uma réstia de esperança
De amar

Todos nós sofremos
E o que é certo: sofrer sem saber
Ou saber a sofrer?
Será pior o pensamento sem sombra
Ou a sombra do pensamento?
Será pior o vulto perdido
Ou perder por ser vulto?

E quando chega o nevoeiro da morte
Já não sabemos se é morte ou nevoeiro
Se vende ou é vendido
Porque o que parece
Não sabemos se é ou não

Por isso, não me chamem sofredor
Sequer mentira
Sofro do que me parece
Não ter sentido

5 de junho de 2012


Deus, a Ciência e o Homem

Pudera eu desvendar a ciência
Silenciar tempestades e tufões
Pudera eu apagar o teu sofrimento
Em obras intemporais
Por agora, o sonho confunde-se com a vontade
Mas em todos os caminhos encontro o Teu respirar

14 de maio de 2012


Por dentro de mim

Deixa o escuro ficar
Só nele se apaga a solidão do meu olhar
E o escudo do teu sussurrar

Deixa o sonho deambular
Só nele se desvenda o segredo do teu respirar
E o embalar do meu tactear

Adormece em mim
No silêncio das palavras por descobrir
No contorno das mãos
Onde o tempo se apaga
Dentro de mim, por dentro de ti

12 de maio de 2012

Salto no escuro

O deslumbre rodeia-te
Deixas o corpo embalar
No som de um beijo
Na dança de dois corpos amarrados
Lado a lado
Sentes o sangue incandescente
Do arrepio quando te percorrem o pescoço
E as mãos suadas
Do agarrar atrapalhado
Do assalto inesperado

Não há pensamentos
Não há projectos, nem ilusões
O corpo move-se independente
De repente
Como uma valsa sem ritmo

Quem és tu
Escondida no escuro
Em aparente comunhão com o mundo
Quem és tu
No poder da sedução
Em leves sensações

O amanhecer esconde-te
Como bétula insensível à luz
Retoma a sensação do nada
No sobressalto
De quem não sabe existir

29 de março de 2012

O poeta

O poeta pensa o que não conhece
Escreve o que não pensa
E conhece o que não escreve

O poeta esquece o que sente
Deseja o que esquece
E sente o que não deseja

O poeta ama em silêncio
Combate o que ama
E silencia-se na paz não tem

O poeta é o mar, o perigo e o abismo
O poeta é a terra, a cor e o infinito
E a sua sombra não desvanece

25 de fevereiro de 2012

Distância

Será que nunca soubeste onde dói?
Será que nunca cansaste de esperar,
A aurora que não chega,
O olhar que não cruza,
As ondas do mar?

Será que não sabes chorar,
O passo nu que nada vai encontrar,
A guerra lacónica
Que o corpo não pode apagar?

Será que nunca desejaste
Que a metafísica
Desnudasse o teu corpo
Longínquo do meu
E que amanhã me pudesses acordar?

Quanto tempo mais
Inventarei o teu olhar?

23 de janeiro de 2012

Sê sozinho
Nada em ti busques
Senão a solidão do teu olhar
Nada em ti imagines
Senão o que o vento te pode dar
O instinto da morte

Tudo em mim se move
Como mundos desconexos
Numa luta de sobrevivência
Entre o instinto e a solidão
Entre a morte e o desdém de mim mesmo

A morte só corrói o corpo inerte
Sem sentidos
Esta luta insana corrói sonhos
Insiste em matar devaneios
Insiste em desfilar de escudo em mão
De espada em punho

Seca-me a boca, secam-me as mãos paradas
Os olhos tremem com medo de se fechar
O peito aperta com medo de parar
Por que dói
Por que não se apaga sem sentir
Que o dia não há-de chegar
Que a sorte seria não ter a quem chamar

Clamam os lobos
Clamam das masmorras
Vozes surdas, ainda vestidas
Do luto de acreditar
Vivem do instinto da morte
Da morte do instinto

Saem os barcos para o mar
Vão despejar corpos
Como garrafas vazias
Vão vender as almas
Como prostitutas de amar

E se reinventássemos os barcos
Se navegassem sem sede de amar
E se reinventássemos os instintos
Se ardessem sem pressa de chegar

O peito treme
Não voltarei a falar
Não voltarei a amar

19 de janeiro de 2012

A vergonha

Contar-me-ias um segredo
Como quem deixa cair uma pedra no rio
Esquecer-te-ias do tempo
Que o pudesse apagar

Mostrar-me-ias os teus sulcos nas mãos
Dos dias que não podes apagar
Desmascarar-te-ias dos teus sonhos
Ainda por reinventar

Levar-me-ias a um castelo abandonado
Como quem esquece o passado
Rasgar-te-ias das tuas vergonhas
Que te prendem o olhar