11 de setembro de 2011

O primeiro encontro

Pudera eu olhar Deus com os teus olhos puros
E ser contemplado na tua inocência
Pudera eu caminhar com a tua delicadeza
Em pequenos passos nas mãos de Deus

Ainda que hoje possas não ver o sentido
Amanhã caminharemos juntos
Para ver sempre Deus
Com os teus pequenos olhos de hoje

14 de março de 2011

A rua dos pinheiros em arco

Houve dias em que nos sentávamos na rua deserta
Por debaixo dos pinheiros em arco
E despíamos os corpos em silêncio

Dávamos voltas de olhos fechados
Numa fúria transcendente de sentidos
Arquitectando o abismo – em pleno deserto – de cada um
Onde queríamos viver

Depois parávamos
E um silêncio tosco, genuíno
Pairava sobre os pássaros e os mochos
Que ali enlouqueciam

Deitávamo-nos então sobre a quente liberdade do alcatrão
E, ao sentir os corpos, rezávamos baixinho
Para sermos imortais

Não sei se lá voltámos

Eu permaneço – como autista
A ver o teu corpo desenhado no alcatrão
E agarro, com a força de um rei
A tua mão
Enquanto sinto correr no meu sangue
O ópio da tua aparência

28 de fevereiro de 2011

despojos da alma

a minh’alma é uma caravela
onde a embriaguez da revolta solitária
se imiscui na fuga do silêncio

a minh’alma tem a força do pescador
mas olha o mar com a desconfiança
da criança perdida
que não tem antepassados

oh Mar, devolve a minh’alma à Terra
deixa-a sentar-se no seu colo
de montanha
e olhar-Te do alto

oh Mar, deixa os sonhos da minh’alma
confluir num Rio suave e calmo
onde o amanhecer é cor de púrpura
ao som de um assobio

oh Mar revolto
que és parte da minh’alma
traz o corpo à tona
para que possa morrer em paz

20 de janeiro de 2011

O silêncio das palavras

Fechado no quarto
Vou batendo ao de leve com os dedos na estante dos livros
O silêncio é cru, prolonga-se para além do corpo
Não sinto senão o vazio
Que não é um sentimento, um estado de espírito
É a ausência feroz de sentidos
Um estado pálido de sensações que estagna o meu sangue

Se eu morrer, tu serás morte
Mas não há dor nisso
É como um balde de água que se despeja
Não te olho
(ver é sonhar)
Não te respiro
(respirar é correr o risco)
Sou inerte, sou a brisa do fim de tarde
Que passa sem se sentir

Gritas na minha direcção
Como quem apaga o quadro escrito
Sussurras baixinho
Como quem acaba de contar a história ao filho
Mas a névoa que tenho à volta da alma não esvanece
Talvez se liberte com a morte

Nada resta
Tenho vontade de adormecer no silêncio das palavras

9 de janeiro de 2011

A negação do sonho

Se pudesse escolher entre vidas
Escolheria não viver nenhuma delas
Pela ausência da inconsciência
Que este sentir do sonho – ainda que não o conheça – me dá

Vivo de sensações que o corpo esquece
E a memória transforma
Vivo de sonhos que o meu inconsciente inventa
E o corpo nega

Vivo no limite entre o ínfimo e o eterno
Porque não sou nenhum deles
Vivo entre estados de alma de um Deus
Que a razão não pode justificar

Por que sonho então?
Pela negação dos sentidos
Ou pela reinvenção do contraditório?