29 de janeiro de 2009

Cadência

Às vezes acho que vou morrer
E a sensação é tão real
Que o espelho reflecte uma escura ausência

Tremo, fumo, bebo rapidamente
Para que o corpo embriagado
Não sinta
Não saiba se é morte ou vida
Se é verdade ou o lugar da alma reacendida no fogo
Da decadência humana

Um dia - e todos os dias são esse dia
A garganta secará instantaneamente
A cabeça rodará sobre espinhos
O pescoço rangerá
E as palavras de pânico soltar-se-ão sem mais

Os meus pés arrastarão a sombra
E tudo o que sonhei - porque o meu viver é sonhar
Mergulhará na eternidade

Habitarei uma casa de xisto
Olharei introspectivo o forno aceso para o cozer do pão
Sentirei a força dos braços
Ou serei o pó de mais uma estrada
Mais um buraco sombrio

Tento escutar o meu andar
Mas do chão sinto apenas o ladear dos pés
Sinto tudo
Mas insano a vida

É talvez o fado
Triste, irreversível, fardado de medo
É talvez a vida repentina - para que qualquer momento possa ser eterno

Sou tão novo e embarco numa caixa sem liberdade - aquilo não sou eu
Embuço a felicidade
E procuro o princípio de tudo

Não chorem, não exasperem este meu adeus
Dêem ao meu corpo o silêncio a que pertence
E a minha alma acesa de mortalidade
Será incansavelmente cadenciada em palavras

Sem comentários: