31 de julho de 2008

África aos olhos de Deus

Chegaste confusa
Da solidão que te circundava
Das cores do fim da tarde
Na linha de caminho de ferro
Que seguias a pé

O comboio tinha-te deixado ali
No bairro de casas em forma de lata
Nos cheiros humanos do suor
E a areia do deserto

Andaste trinta mil metros
Sem um sorriso
Sem uma palavra
Inquieta na forma como Deus
Olharia aquela terra de África

A paisagem tinha tonalidades de um azul doirado
Aquele bairro um preto de morte
Pedaço de gente

E a esperança que cores teria?
O castanho da terra em liberdade
Ou o cinzento dos condenados?
Forcado

As rosas que caiam
Os chapéus voando na sua direcção
Os gritos enraivecidos
Na pista da glória

O sangue estancado na terra
No silêncio instantâneo da arena
O som da corneta
Na força do protagonista
Necessidade furada

A vida tornou-se tão circular
Em anfiteatros de pedra
Terras
Sem vento e sem mar

Meu amigo
O caminho não pode ser circular
Como o conhecido
Tem vales e falésias
Tem ausência, proximidade e loucura
Para ser íntegro
Segredo da noite

Sei que é eterno
O lago despido de preconceito
A força da nossa paixão
E o segredo da noite
Espelhado

Os pés percorrem a lama
Tocando-se na sintonia
Do desconhecido

O abraço
Bem perto
Ergue-nos no manto
Da soberania vivida

És o que desejo
Na audácia da inexistência de palavras

29 de julho de 2008

Ainda que volte breve

Ó mãe
Não temas por mim
Não chores a minha ausência
Que a vida ensina-nos a partir
Em busca desta dádiva
De podermos ser mais santos
De nos fazermos presentes
Na vida de outras pessoas
Outras comunidades
Com toda a liberdade

Em tempos tinha medo
Arrepiava-me no escuro da noite
Imaginava-a ausência
Corroía-me a imagem da morte

Agora, um pouco mais livre
Trago a saudade ao peito
Mas também a certeza de um caminho
Que busca a eternidade
Em fulgores, sorrisos e paixão
Que alegria esta
Que sorte poder reinventar passos
Em cada momento
Em cada pessoa

Houve dias em que chorei o pai
Ainda choro
A ausência de um exemplo prático
Mas trago comigo muito mais
O exemplo eterno
O sossego, o silêncio e a confidência

Queria só dizer-te
Obrigado
Ainda que volte breve
Noite

Senhor, cada vez que olho a noite
Fica em mim a vontade de me envolver
Em cada pessoa
Em cada lugar
Em cada momento
Como sangue que percorre
Todas as veias
No toque do seu caminho
As palavras

As palavras libertam-me
Como a chuva que nos molha
E nada mais há a fazer
Desarmado em loucura

Não voltes depressa
Que esta sede é pura
Como a água da cascata
E a loucura
O silêncio da noite