21 de março de 2008


A minha liberdade

A minha liberdade não tem cores

Não tem sonhos

Não tem caminhos nem falésias

Tem sons


São crianças a cantar

De cor

São músicas de filmes desconhecidos

De quem não tem de que fugir

Se não do próprio corpo

Do próprio sangue


Tem talvez rostos

Perdidos

Imiscuídos em restos de lama

E mãos vazias

Estendidas


A minha liberdade

Tem a dor de quem ama

Tem os passos de quem não tem onde chegar


A minha liberdade é tão só partir

20 de março de 2008


Ao sabor do vento


Apeteceu-me sorrir

Do velho sótão em que nos encontrávamos

Rotos lençóis que nos encobriam

O cheiro bafio que circundava

Nos corpos entrelaçados

Iluminados por um qualquer candeeiro de rua


Mantínhamos o silêncio

Das palavras proibidas

E um olhar fixo

Na pedra baça entre marés


Para onde iríamos nós?

Naquele veleiro abandonado ao tempo

Ininterrupto

Das horas que não conhecemos


Não temos terra

Para que a quereríamos?

Seguiremos com o vento

18 de março de 2008


Palavras


São como cores

Precisam de ser combinadas

Suavemente retocadas

Como quem constrói um castelo


Às vezes são claridade

Cristal das águas de uma cascata

Outras, fogo

Aguerrido, imponente

De uma paixão ousada


Apetece guardá-las

Como um presente nas mãos de uma criança

Fazer delas o meu respirar

Puro, íntimo


Mas não me pertencem

Quantos momentos sem palavras

Porque não são precisas

17 de março de 2008


Parte de mim


Às vezes queria ser apenas parte de mim

Ficava só a loucura

A pungente descoberta do alienado

A noite deitada entre corpos


Estendido sob a lua acinzentada

Descubro o corpo a que me encontro atado

Suavemente tocando o seu rosto

Entre cordéis de desejo


Ao fundo luzes entre montanhas

Muros humanos desfeitos

E tudo a que pertenço

É aquele respirar

Num silêncio de um beijo


Orelhas tapadas

Não há promessas

Só o que não se diz


E quando o dia nascer

Serei outra vez inteiro

Carregando a dor

Do que não é verdadeiro