25 de abril de 2009

O dia da liberdade

só porque hoje é o dia da liberdade
é bom podermos duvidar do que somos, das nossas vocações, do nosso valor, pequenas recordações
só porque hoje é o dia da liberdade
é bom sabermos que pequenas mudanças são grandes voltas, são revoltas
só porque hoje é o dia da liberdade
não precisarmos de ser feitos posters para que alguém nos possa celebrar

7 de abril de 2009

Parte de ti


A tua pele desliza sobre a minha

E de novo o fogo inocente - aquela velha corda de harpa - reacende-se


De novo a violência do sofá

E o conforto do chão


Um cigarro continua a queimar lentamente no cinzeiro

Enquanto as tuas pernas se desnudam ao som da música inaudível


Lá fora - espreito por cima do teu ombro descoberto

O plátano deixa cair mais uma folha

Imagino o frio da noite

Os ratos escondidos por entre as madres da cobertura

Enquanto o teu corpo se apodera do meu


O teu corpo molda um movimento lento

Com um sem número de espasmos

Ouço o teu gemer pesado

O sufoco ao meu ouvido

E continuo encandeado da noite que há pouco não era


Peço-te mudo que não faças perguntas

Que não me telefones em dias quentes

Peço-te que não me olhes os pés descalços

Peço-te o que não é pedir


Perdoar-me-ás se te disser que te amo, que não te amo

Perdoar-me-ás se preferir a solidão, se nunca quiser estar sem ti

Perdoar-me-ás se não quiser ser ninguém, se quiser ser alguém


Partiste em silêncio - vi-te passar pelo plátano

E parte de ti partiu também


2 de abril de 2009

Hoje

Hoje acordei e vesti-me de preto, Constança
Em gestos mutilados percorri embevecidamente
O meu corpo morto

Saí, Constança
Acariciei o meu cavalo
Como criança a levar à escola
E partimos mudos
Atrás do tempo que não quis, não quero

Quem éramos nós
Desfilando nos campos abandonados
Colhendo as sobras do que não plantámos
Semeando chagas - com que me assinalaste - em sombras

Andámos a trote estrada fora, Constança
Pobre animal esbaforido
Carregando o meu calvário
E eu à espera da sorte em forma de lança final
Da espada que encarniçasse o peso do corpo

Voltámos já era fim da tarde, Constança
A casa continuava com o seu ar penoso
Sentei-me no terraço - o sítio onde não tinha de te ouvir
Bebi um trago da cerveja de sempre, já pútrida dos dias
E deixei o corpo permanecer
Na esperança de não pensar

À noite, sim, é difícil não chorar, Constança
É difícil sobretudo não pensar
Nas minhas mãos violando o teu corpo
Esmagando os teus seios
Batendo - porque me obrigavas - no teu rosto descontrolado

Errado? Tudo é errado quando a sorte não chega
Nasci filho da terra
Amadurecido no ventre desventrado
Sisado de uma carícia - ainda que por engano, por fraqueza humana
Cresci sem identidade
Sem morada
Namorando ferozmente o corpo formatado

Já nem sei quem fui
Quem fomos, Constança
Para lá do que penosamente o corpo deixou
E a alma se queixou

Manuel Sousa