27 de outubro de 2008



Os dois mundos


Hoje caminhei sob a chuva

Sobre a chuva

Levitado na música do vento

Erguido no manto púrpura

Da noite espalhada


E só por um momento

O mundo inverteu a marcha

Dos sentidos eternos


Abriram-se-me os olhos em dois mundos


Um dos mundos era percorrido por um fogo inaudível

De cores que nunca vi

Onde só se poderia andar de olhos vendados

Porque a sensação era a certeza


Ao lado espelhava-se um mundo de cristal

Onde o caminho se desenhava em traços constantes

Nítidos de uma determinação penetrante


Não quis pertencer a nenhum

Não que não o pudesse viver amanhã

Mas porque o amanhã só será íntimo

Amanhã

26 de outubro de 2008


A memória do espontâneo


Não gosto da memória

É uma velha enlouquecida

Prisioneira de um castelo em ruínas

Onde tudo o que vive é fugitivo


Gosto da espontaneidade

O único traço da liberdade

Que não espera o tempo

Inexistente

Que não vitimiza a saudade

Do momento


A espontaneidade exige a extravagância

Do desconhecido

Para o perfeito da situação

No imperfeito da eternidade


Amo o sonho do que poderá nunca existir


Dia após dia o dia


Ao início era um castelo

Erguido no mar

Voávamos baixinho

Em busca do caminho


Aos poucos destruímos a fortaleza

Abalámos a certeza

Desafio tão verdadeiro

E o vento passageiro


Agora vou poder ser

Para ti

Como um espelho

Que devolve o olhar

Como um rio

Ao entrar no mar


E se um dia tiver medo?

E se deres por mim tremendo?

Traz Deus no abraço

Junto ao teu regaço


E que dia após dia

Seja este dia

18 de outubro de 2008

O vento

As saudações incomodam-me
Como uma ferida sem dor
Como noite sem cor

O olhar, o sorriso vagabundo
O invisível interesse
O divisível incómodo
Das frases soltas

O olhar roda invólucro
Levanta-se de medo
Baixa-se de respeito
E um fogo redimido
Aperta todo o meu ser

Hoje levantei-me e apenas saudei
O vento
Frio, penetrante, sozinho
Perdido