28 de abril de 2008


Aqui


Aqui tudo é simples

Ouço relatos de histórias simples

Perdidas do mundo

Guardadas na memória de quem as viveu


Aqui o tempo passa ao mesmo ritmo

O que fizemos hoje amanhã foi apagado

Só as pessoas ficam

Em memórias de retratos

O resto não merece ser vivido


Amo esta simplicidade genuína

Mas depois apetece-me a vida complexa

Do trabalho desgastante

Onde as memórias são paisagens

E gestos empreendidos


Divido-me em dois mundos

Desfasados no tempo

Desfasados da minha própria vida

22 de abril de 2008

Olhar-te


Volto àquele jardim

Onde as flores das magnólias preenchem a relva

Fico a olhar-te em segredo

Do outro lado da ponte

Fico a ouvir em segredo

O bater do meu coração


Ali estás imóvel

De um fim de tarde africano

Sorriso virado para o Sol

Palmas das mãos estendidas

Procurando o vento


Não sei o que é feito da vontade de te abraçar

Não sei de que é feita a saudade

Olhar-te é tudo o que posso desejar

Amantes do incerto


Salta para as minhas cavalitas

E vamos por essa estrada fora

Faces encostadas

Sussurrando os segredos

Da nossa loucura


Esquece o amor

Esquece a saudade

Hoje temos os corpos juntos

Como amantes do incerto

Tumulto


A noite está entendida lá fora

Como o mar ao chegar à praia

Preenchida de melodias silenciosas

Como um som abafado de um vale


Sinto-me como um louco

Deitado por debaixo da noite

Em risos descontrolados

Em falsas valsas

Vitórias meticulosas

De quem joga sozinho


Apetece cuspir a raiva

Da agitação do nada

O cinzento da noite estrelada

O silêncio perturbante da noite


O cheiro intenso a terra

É uma falácia escondida

O sabor do vento

O âmago da solidão


Escureceu o caminho

E com ele a noite

4 de abril de 2008

Ilusão

Há pessoas que nos desiludem na ilusão

Engolimos em seco

Porque as palavras

Essas são demasiado valiosas

3 de abril de 2008


Não sei o que quero


Não sei se quero o sossego

Ou a agitação

Se quero a dedicação, a entrega

Ou o eterno amante do desconhecido

Do desafio impessoal

Amante fugaz


Não sei o que quero

Se magnólias ao entrar da casa

Se roupa despida pelo chão


Será cansaço ou devaneio?

1 de abril de 2008


A dor


Hoje vi-te novamente ali deitado

Esfriando a face de dor

Temendo o ar que escasseia

Numa luta feroz com a dignidade


De que servirá a morte senão para dar vida?

Recuperar a integridade

Agora santa, plena de vida


Abraço-te como criança resgatada

Tremendo de um susto

Aperto-te a mão

Na fragilidade da dor


O teu olhar tem a ternura de um leve sopro

E tudo o que pedes

É partir sem dor


As pequenas grandes coisas


Não procuramos as pequenas coisas

Mas as grandes

É o nosso lado humano mais divino

Em tudo, queremos encontrar Deus


Reinventamos pequenas coisas

Vemos nas pequenas grandes coisas

Num desejo profundo de abraçar a fé

Pelos sentidos


Que é sequer a liberdade

Ou a loucura

Senão as mais pequenas coisas acabadas grandes