15 de fevereiro de 2019

Solidão

Achei que estavas morto
Poeta, sonhador, de mil sorrisos rasgadas
Em incessante procura
Da alma gémea, inexistente

Talvez fosse melhor que estivesses morto
Oh errante poeta
Que em mil almas te deslumbras
E em nenhuma podes viver

Talvez te possas fingir morto
Num corpo frio de histórias inacabadas, passadas
Sem lágrima, sem lamento, nem sequer um pensamento
Deixar cair a tua máscara
E abraçar a solidão

Quantas histórias nunca serão?
Quantos filhos nunca te conhecerão?
Oh poeta, que nunca exististe
A não ser na tua própria solidão

14 de novembro de 2012


És talvez um lápis embriagado
Que se desenha a si próprio
Ou uma borracha insaciável
Que se apaga em imperfeição

Tens um rosto
Que não se reconcilia com o corpo
E mãos que se rasgam como folhas de papel
Tens ombros presos por cordas
E braços que se desfiam num furacão

Mas os teus pensamentos
Desnudam-se como o vento da serra
E em cada sentido
Devolves o mar

E assim, és em mim o nevoeiro insaciável
Da solidão que temo encontrar
E uma réstia de esperança
De amar

Todos nós sofremos
E o que é certo: sofrer sem saber
Ou saber a sofrer?
Será pior o pensamento sem sombra
Ou a sombra do pensamento?
Será pior o vulto perdido
Ou perder por ser vulto?

E quando chega o nevoeiro da morte
Já não sabemos se é morte ou nevoeiro
Se vende ou é vendido
Porque o que parece
Não sabemos se é ou não

Por isso, não me chamem sofredor
Sequer mentira
Sofro do que me parece
Não ter sentido

5 de junho de 2012


Deus, a Ciência e o Homem

Pudera eu desvendar a ciência
Silenciar tempestades e tufões
Pudera eu apagar o teu sofrimento
Em obras intemporais
Por agora, o sonho confunde-se com a vontade
Mas em todos os caminhos encontro o Teu respirar

14 de maio de 2012


Por dentro de mim

Deixa o escuro ficar
Só nele se apaga a solidão do meu olhar
E o escudo do teu sussurrar

Deixa o sonho deambular
Só nele se desvenda o segredo do teu respirar
E o embalar do meu tactear

Adormece em mim
No silêncio das palavras por descobrir
No contorno das mãos
Onde o tempo se apaga
Dentro de mim, por dentro de ti

12 de maio de 2012

Salto no escuro

O deslumbre rodeia-te
Deixas o corpo embalar
No som de um beijo
Na dança de dois corpos amarrados
Lado a lado
Sentes o sangue incandescente
Do arrepio quando te percorrem o pescoço
E as mãos suadas
Do agarrar atrapalhado
Do assalto inesperado

Não há pensamentos
Não há projectos, nem ilusões
O corpo move-se independente
De repente
Como uma valsa sem ritmo

Quem és tu
Escondida no escuro
Em aparente comunhão com o mundo
Quem és tu
No poder da sedução
Em leves sensações

O amanhecer esconde-te
Como bétula insensível à luz
Retoma a sensação do nada
No sobressalto
De quem não sabe existir

29 de março de 2012

O poeta

O poeta pensa o que não conhece
Escreve o que não pensa
E conhece o que não escreve

O poeta esquece o que sente
Deseja o que esquece
E sente o que não deseja

O poeta ama em silêncio
Combate o que ama
E silencia-se na paz não tem

O poeta é o mar, o perigo e o abismo
O poeta é a terra, a cor e o infinito
E a sua sombra não desvanece

25 de fevereiro de 2012

Distância

Será que nunca soubeste onde dói?
Será que nunca cansaste de esperar,
A aurora que não chega,
O olhar que não cruza,
As ondas do mar?

Será que não sabes chorar,
O passo nu que nada vai encontrar,
A guerra lacónica
Que o corpo não pode apagar?

Será que nunca desejaste
Que a metafísica
Desnudasse o teu corpo
Longínquo do meu
E que amanhã me pudesses acordar?

Quanto tempo mais
Inventarei o teu olhar?

23 de janeiro de 2012

Sê sozinho
Nada em ti busques
Senão a solidão do teu olhar
Nada em ti imagines
Senão o que o vento te pode dar
O instinto da morte

Tudo em mim se move
Como mundos desconexos
Numa luta de sobrevivência
Entre o instinto e a solidão
Entre a morte e o desdém de mim mesmo

A morte só corrói o corpo inerte
Sem sentidos
Esta luta insana corrói sonhos
Insiste em matar devaneios
Insiste em desfilar de escudo em mão
De espada em punho

Seca-me a boca, secam-me as mãos paradas
Os olhos tremem com medo de se fechar
O peito aperta com medo de parar
Por que dói
Por que não se apaga sem sentir
Que o dia não há-de chegar
Que a sorte seria não ter a quem chamar

Clamam os lobos
Clamam das masmorras
Vozes surdas, ainda vestidas
Do luto de acreditar
Vivem do instinto da morte
Da morte do instinto

Saem os barcos para o mar
Vão despejar corpos
Como garrafas vazias
Vão vender as almas
Como prostitutas de amar

E se reinventássemos os barcos
Se navegassem sem sede de amar
E se reinventássemos os instintos
Se ardessem sem pressa de chegar

O peito treme
Não voltarei a falar
Não voltarei a amar